Quando uma ferramenta te emburrece
& mundo pasteurizado & inteligência emocional & como melhorei da minha hérnia de disco
Platão achava que a escrita prejudicava a capacidade humana de pensar.
Em um dos seus diálogos, ele argumenta que, ao aprenderem a escrever, os homens implantariam o esquecimento em suas almas. Deixariam de exercitar a memória porque passariam a confiar no que está escrito. A escrita seria um lembrete, não uma memória real. Uma aparência de sabedoria, cheia não de conteúdo, mas da vaidade de parecer sábio.
A provocação aqui não é sobre Platão, nem sobre a escrita.
É sobre o quanto a gente tenta proteger o que já conhece. Toda nova tecnologia parece perigosa no começo. Porque, no fundo, ela desloca nossas habilidades. E com o ChatGPT, não vai ser diferente.
Um estudo recente do MIT Media Lab colocou 54 estudantes pra escrever ensaios em três condições diferentes: usando apenas o ChatGPT, usando só o Google e escrevendo sem ferramenta nenhuma. Enquanto escreviam, os pesquisadores mediam a atividade cerebral por eletroencefalograma, entrevistavam os participantes e analisavam os textos com ajuda de professores e de ferramentas de processamento de linguagem natural.
Os resultados foram próximos do que você talvez já imagine.
O grupo que escreveu sem ferramenta nenhuma teve mais atividade cerebral, mais memória, mais capacidade de lembrar o que escreveu e maior sensação de autoria. O grupo que usou o Google ficou no meio do caminho: mais estímulo visual, mais busca ativa, mas ainda com alguma passividade. Já o grupo que usou o ChatGPT teve menor conectividade neural, escreveu textos mais genéricos e teve dificuldade de lembrar o conteúdo recém-produzido. A maioria disse que nem sentia que o texto era delas.
Mas o mais curioso veio depois. Na quarta sessão, os grupos inverteram: quem vinha usando IA passou a escrever sozinho, e quem escrevia sozinho passou a usar IA. O resultado foi que o grupo acostumado com IA continuou com baixa atividade cerebral, mesmo sem ferramenta. Como se o cérebro tivesse desaprendido a pensar. Já o grupo que passou a usar IA depois de pensar por conta própria teve aumento de conectividade em todas as faixas de frequência cerebral.
Ou seja: o problema não é a IA. É a terceirização crônica do pensamento.
Os pesquisadores chamaram isso de “débito cognitivo”. Uma espécie de dívida. Quando você terceiriza repetidamente um esforço cognitivo, o cérebro entende que aquele esforço não é mais necessário e para de investir energia ali.
A analogia que me veio foi com o corpo. A gente parou de andar, de fazer força, de usar nossos músculos e pagou um preço por isso. No cérebro, provavelmente, o efeito é o mesmo.
A consequência de usar IA não é só escrever pior. É pensar menos. Reter menos. Conectar menos ideias. E o problema não aparece na hora. Ele se acumula, silencioso, como o sedentarismo. Só se torna evidente quando você precisa da sua autonomia de volta e ela não responde mais como antes.
É muito mais sobre não abandonar o cérebro, do que sobre usar tecnologia. É usar essas ferramentas para expandir o pensamento, não para substituí-lo.
E ainda, se for pra economizar sua cognição, que seja pra investir ela em algo que vale a pena.
Não pra afundar na sua timeline favorita.
Se fizer isso, aí sim, Platão tem bons motivos pra te julgar.
Coisas que roubaram minha atenção
Um canal no Youtube me contou
Em setembro do ano passado estourei uma hérnia de disco na coluna lombar.
Foram algumas das piores semanas da vida em relação à dor. Doía pra dormir, pra andar, pra ficar sentado.
Por meses, apesar das doses de opioide (receitados, claro) e fisioterapia, nada adiantava. Até que encontrei esse canal no Youtube aqui, o Low Back Ability, do Brendam Backstrom.
(o nome do cara, no RG, é Backstrom, tipo “costas forte” em inglês, se falado rápido - se ele não nasceu pra isso, não sei quem mais nasceu)
Ele tem uma abordagem diferente em lesões na coluna lombar e foi isso que me salvou, e continua salvando.
A internet é maravilhosa, e alta agência para ir atrás, aprender e aplicar por conta própria, também.
Obrigado por continuar aqui!
Sei que passei seis meses sumido, mas era por bons motivos.
Conto em outras news.
Bora para os próximos passos.